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Esquizofrenia e Projeções Lido 4565 vez(es) Muitas vezes a clínica médica compara fenômenos projetivos e de incorporação à esquizofrenia, ou justifica-os através desta. E realmente alguns fenômenos ligados à esquizofrenia (dissociação da mente, alucinações visuais e auditivas, dupla ou múltiplas personalidades...) têm alguma semelhança com alguns dos eventos comuns em projeções, incorporações e outras manifestações deste tipo. E nesse sentido, a Doutora Susan Blackmore desenvolveu uma pesquisa entre esquizofrênicos, para tentar verificar se as chamadas experiências fora do corpo não seriam apenas manifestações de uma possível esquizofrenia. O trabalho, intitulado "Out-of-Body Experiences in Schizophrenia - A Questionnaire Survey", foi publicado em 1986, no Journal of Nervous and Mental Disease, do qual traduzo e resumo aqui algumas partes. Bene ==================================== Foram realizados questionários sobre distorções perceptivas, sintomas de esquizofrenia e experiências fora do corpo (EFC) em 71 voluntários com histórico de esquizofrenia e 40 sujeitos de controle (pacientes de um pronto-socorro). Significativamente, mais elementos do grupo de esquizofrênicos (42%) do que elementos do grupo de controle (13%) responderam "sim" a uma pergunta sobre EFCs. Contudo, um questionário de acompanhamento mostrou que apenas 14% dos esquizofrênicos (ou seja, a mesma proporção do que o grupo de controle) haviam passado por EFCs 'típicas'. Segundo Blackmore, uma experiência fora do corpo (EFC) é uma experiência onde a pessoa percebe o mundo a partir de um local fora do corpo físico. Em outras palavras, o self parece deixar o corpo físico. Algumas vezes, embora não invariavelmente, o experimentador relata ver-se sobre o próprio corpo físico, incorporado em algum tipo de duplo deste corpo. A EFC pode ocorrer sob quase todo o tipo de circunstâncias, mas é especialmente comum durante o relaxamento físico (tal como antes de dormir), quando o experimentador pode sentir-se flutuando sobre seu próprio corpo, ou como parte de uma experiência de quase morte. Algumas pessoas 'curtem' intensamente suas projeções, enquanto que outras sentem-se aterrorizadas por elas, achando às vezes que estão ficando loucas. Assim, torna-se importante determinar se a EFC é sintoma de alguma patologia, se é associada a alguma síndrome reconhecida, e se, desta forma, seu surgimento pode ser considerado como patológico. A EFC tem sido comparada a autoscopia, despersonalização, perda do senso de realidade e perda esquizofrênica dos limites do corpo. Contudo, a EFC pode ser claramente distinguida de tudo isto. Por exemplo: Noyes e Kletti (1976) compararam as experiências de quase morte a despersonalização. Contudo, tanto na perda do senso de realidade quanto na despersonalização, o sujeito sente-se irreal ou menos real do que o normal. Uma das características típicas da EFC é que os experimentadores sintam-se 'mais reais' do que nunca. Estes muitas vezes relatam uma grande clareza de pensamento e lucidez, e muito realismo no ambiente que os cercam, como nesta descrição simples, fornecida por uma mulher que tinha freqüentes projeções: "Deixei meu corpo assim que peguei no sono... Minhas faculdades estavam absolutamente claras e eu viagem por toda Londres" A experiência pode parecer bizarra, mas não houve perda de realidade. Autoscopia (olhar para si mesmo) foi definida por Critchley (1950) como um "deslocamento ilusório da imagem do corpo, dentro da esfera visual" e por Lukianowicz (1958) como uma "complexa percepção alucinatória e psico-sensorial que envolve a visualização da imagem do próprio corpo, projetada no espaço visual externo" ambas explicações implicam que o self (o ser) permanece associado ao corpo físico e que um duplo do corpo é visto à distância. Isto claramente não é uma EFC, de acordo com a definição dada acima. A distinção é confirmada por alguns exemplos. Lukianowicz (1958) por exemplo, descreve um caso de autoscopia, onde um arquiteto observou uma réplica completa de si mesmo entrar na sala, mesclar-se a ele e então partir novamente. Contudo, outros autores usaram o termo com menos clareza. Damas Mora et al. (1980), por exemplo, definem autoscopia como "a experiência de ver o próprio corpo à distância" e Lippman (1953) define-a como "alucinações de dualidade física". Ambas poderiam claramente incluir as EFCs. Contudo, Lippman dá um exemplo de autoscopia em uma mulher que sofria de enxaqueca. Logo antes do ataque de dor de cabeça, ela estava servindo o café da manhã. Ela diz: "Ali deveriam estar meu marido e as crianças, como sempre, e aí num flash eu senti como se estivesse em um plano inclinado, olhando para eles a partir de uma altura de alguns metros, olhando a mim mesma servir o café" Isto seria claramente uma EFC, como definimos acima. Blackmore termina, dizendo que será útil fazer uma distinção entre EFCs e autoscopias. Na EFC o self parece deixar o corpo físico, enquanto que na autoscopia o self permanece no corpo físico, e o duplo é visto à distância. Distúrbios de limites corporais são comuns na esquizofrenia. Portadores queixam-se de fenômenos de fusão e de sub-avaliação ou super-avaliação do tamanho de partes do corpo, ou então sensação de perda total de partes do corpo. Ocasionalmente isto pode ser confundido com sensações de se estar fora do corpo, como em uma EFC. Contudo, Gabbard e Twemlow (1984) distinguiram cuidadosamente os dois fenômenos. A principal diferença é que na esquizofrenia a pessoa pára de vivenciar a realidade, enquanto que numa EFC típica a sensação de realidade é mantida. As EFCs também tendem a ter pouca duração: a identidade da pessoa permanece intacta, a localização do corpo é clara, e a experiência pode ser integrada à personalidade. Em contraste, nos distúrbios esquizofrênicos existe uma dificuldade crônica em delinear os limites do próprio corpo e a identidade é ameaçada. Gabbard e Twemlow (1984) também aplicaram uma gama de testes psicológicos a um grande número de pessoas que relatavam EFCs, e descobriram que estas tendiam a ser incomumente saudáveis e bem ajustadas, mas é claro que as EFCs não são restritas apenas à saúde psicológica. A questão, então, era verificar se as EFCs eram sintoma de alguma patologia (esquizofrenia, em particular) ou se deveriam ser tratadas como ocorrências perfeitamente normais. Se a primeira hipótese fosse certa, então seria de esperar que os esquizofrênicos tivessem uma proporção incomum de EFCs, em relação aos demais. Se a segunda hipótese fosse certa, então o estudo não mostraria um índice maior de EFCs entre os esquizofrênicos, se comparado aos demais. Além disso, se a EFC fosse um sintoma patológico, seria de esperar que a mesma estivesse associada a outros sintomas. O estudo abordou estas duas questões, por meio de uma pesquisa. Método - Questionário O questionário consistiu de um folheto impresso contendo questões sobre histórico pessoal, distorções perceptivas, sintomas de esquizofrenia e EFCs. A seção sobre distorções visuais explicava que os pesquisadores estavam interessados em casos "onde objetos reais que você olha parecem estar mudados, estranhos, ou diferentes daquilo que você esperava ver" Alucinações e ilusões de ótica eram especificamente excluídos. A seção sobre sintomas incluía perguntas de alto significado, para o diagnóstico de esquizofrenia e incluíam perguntas sobre interferências no pensamento, audição de vozes e visões. A pergunta sobre EFC era a seguinte: "Por acaso já teve alguma experiência onde se sentisse fora ou longe de seu corpo físico, ou seja, a sensação de que sua consciência, mente ou centro de consciência estivesse noutro lugar, além do corpo físico?" As respostas possíveis eram: "Não", "Sim", "Uma vez", "Várias Vezes", "Sim, muitas vezes" e "Sim, e posso fazer isto quando quero". O questionário foi aplicado ao grupo de esquizofrênicos (71 pessoas - 30 mulheres e 41 homens, na faixa etária de 36 anos)e ao grupo de controle (40 pacientes de uma enfermaria, sendo 14 mulheres e 26 homens, na faixa etária de 35 anos. Deste grupo, apenas três haviam respondido "sim" as perguntas relativas a sintomas de esquizofrenia) Resultados A incidência de EFCs pareceu, à primeira vista, bastante diferente entre os dois grupos. 42% do grupo de esquizofrênicos, contra apenas 13% do grupo de controle relataram ter tido pelo menos uma EFC. Contudo, quando um questionário de acompanhamento foi enviado aos 30 esquizofrênicos que relataram EFCs, tornou-se óbvio que nem todos os que haviam respondido que 'sim' haviam tido de fato qualquer experiência parecida com uma EFC típica. Dos 30, 22 devolveram o questionário com uma descrição da experiência. Destes 22, apenas 9 deram descrições que poderiam ser categorizadas como EFCs típicas. A avaliação foi aprofundada com os testes de costume, e o relatório termina com a seguinte conclusão: "Com base nas descobertas, podemos afirmar que as EFCs não parecem ser patológicas. As pessoas que as experimentam podem até sentir medo de estarem ficando loucas, mas na verdade o grupo de controle demonstrou praticamente a mesma quantidade de EFCs do que as do grupo de Controle. E não parece haver base nenhuma para considerar as EFCs como indício de patologia ou como sintoma de esquizofrenia".
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