VOADORES.COM.BR » Colunas


>> Colunistas >

Conversando (imparcialmente) sobre Síndrome de Pânico, princípios do DMT e efeitos do daime / ayahuaska
Publicado em: 06 de dezembro de 2009, 13:14:55  -  Lido 7597 vez(es)

> Nome: juliana goes tavares (julianagtavares@...)
> Comentário: olá, gostaria de obter mais informações a respeito do princípio

> ativo "DMT' (1) encontrado no chá do santo daime (2), como pode ser feita a

> desintoxicação (3) se existe algum tratamento psicológico (5) para acabar

> com  ataques de pânico (4) decorrentes da utilização dessa bebida.


Oi, Juliana. Vamos por partes:

 

1) Sobre o princípio ativo do DMT:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dimetiltriptamina

No site abaixo você tem informações imparciais sérias mais completas, mundiais e científicas sobre efeitos, legislação, princípio ativo, efeitos colaterais:
http://www.erowid.org/chemicals/dmt/dmt.shtml

Cuidado com sites de cunho religioso, onde o princípio da imparcialidade é comprometido pelo interesse óbvio. Neles, é comum o bordão "não é droga e não faz mal".

 


2) Em baixas doses, o DMT é presente naturalmente no corpo humano, mas é metabolizado pela nossa MAO:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Monoamina_oxidase

Em altas doses, como no chá, é que pode causar delírios e alucinações. Se ingerido sozinho, mesmo na planta, não provocaria tanto mal. Entretanto, há uma associação - em todos os chás de daime e ayahuaska - de uma outra planta, que contém um fortíssimo Inibidor da Mao, o que impede a absorção do DMT, e liberando o seu potencial psicodélico:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Inibidor_da_monoamina_oxidase

Muitos remédios antidepressivos mais primitivos e menos seletivos, de geração antiga (anteriores aos mais modernos e seletivos Prozac, Pondera, fluoxetina, paroxetina e sertralina) tinham sua ação *justamente* na Inibição da MAO, em quantidade bem menor (mg) do que a presente em um chá (que pode chegar a 2%, ou seja, gramas de princípio ativo). Ou seja, mesmo sem o princípio alucinógeno do DMT, apenas a outra planta adicionada como catalizadora já exigiria um controle das autoridades farmacológicas, uma vez que não se ministra uma cartela inteira de antidepressivos em ninguém sem prescrição e acompanhamento.

A inibição exagerada da MAO leva os neurotransmissores cerebrais a níveis imprevisíveis, o que pode ser perigoso em alguns casos - embora provavelmente seja benéfico (com riscos) em caso de depressão unipolar (onde há pouca seronotina) ou déficit de atençao e híper-atividade (onde há pouca dopamina). Por outro lado, é altamente contra-indicado em bipolaridade, depressão-bipolar e psicose-maníaco-depressiva (nomeclatura antiga), uma vez que o excesso de seerotonina nesses casos está associado direta e estatisticamente a aumento e descontrole dos episódios de hipertimia, hipomania e mania:
http://www.bipolaridade.com.br/oque/altos_baixos.asp

A sintetização dos efeitos da serotonina em nível excessivo é também associada ao efeito do ECTASY:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Serotonina
Tamanha quantidade artificialmente induzida de antidepressivos e seronotonia (um neurotransmissor ligado à *sensação* de felicidade e bom humor) explica a enorme sensação de "bem estar" e até comunhão espiritual relatados por usuários de drogas assim.

Outra psicopatologia associada a neurotransmissores em excesso é a esquizofrenia, onde há um excesso de dopamina, e presença de delírios e alucinações. Está também associada a vícios e dependência de drogas:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dopamina
Grande parte das drogas alucinógenas tem como princípio ativo o aumento da circulação de dopamina. Daí o termo dopado. Em baixas doses, dopamina nos dá subjetividade, poesia, uma distorção da realidade indispensável para estabelecermos relações, generalizações e estabelecermos preferências e conceitos estéticos. Em alta dose, ela induz a perda do senso da realidade, a dissociação de conteúdos mentais - daí a esquizofrenia e o efeito de "dopado" das drogas.

 

 

3) Não há estudos conclusivos que demonstrem "intoxicação" por daime ou dependência química. Por comparação com substâncias análogas, a primeira é improvável; e a segunda, possível. Parece haver, contudo, um desenvolvimento de tolerância. Nos primeiros usos, o organismo tende a rejeitar. Com a persistência, os alertas corporais diminuem, e passa a ser necessário uma quantidade, frequência e concentração maior para obter os efeitos. Em casos graves, alguns usuários passam a tomar mais de uma vez por mês (!), ou em versões concentradíssimas (mel).

Não há, porém, relatos de síndrome de abstinência significativa, como na cocaina e crack. Ao contrário, muitos usuários se sentem até melhor quando param de tomar, sem as "fissuras".

Isso não significa não haver consequências, especialmente psíquicas. Uma vez que o indivíduo seja levado a um contato excessivo com conteúdos neuróticos que não estava preparado para lidar, pode haver um gatilho para crises psicopatológicas ou psicóticas.

Não há nenhuma garantia psicológica de que uma híper-exposição a lembranças traumáticas de modo intenso "cure" uma neurose. Em alguns casos a exposição é saudável; em outras, um trauma revivido sem preparo é justamente o iniciador de um estado psicótico.

Mesmo sem uso de substâncias ou transe, as psicopatologias - em especial o pânico e as psicoses - são disparadas por um evento extressor. A psicoterapia é muito mais recomendada do que a híper-exposição sem controle. Padrinho algum, se honesto, tem condições de garantir a priori que tipo de vivência cada um experimentará. Concordo que o bom ambiente e a condução dos ritos e vivências ajude MUITO, mas por si só não é suficiente. A questão é pensar se o prazer de alguns ou muitos justifica o risco de um surto ou dano grave e irresponsável a um ou à minoria. Na maioria das outras drogas, geralmente a sociedade responde que NÃO.

Um dos riscos é a dependência psíquica e social - os grupos são proselitistas, fundamentalistas, tem dificuldade em aceitar que existam argumentos contrários, e geralmente induzem fortemente a frequência e quantidade que o adepto deva tomar. Além do mais, devido às suas opções, os usuários tendem mais e mais a se sentir "compreendidos" apenas dentre outros usuários (a exemplo do que ocorre em outras drogas), reforçando os laços. Parar de usar essa droga implica, infelizmente, em ter que mudar de grupo de amigos, em deixar as práticas religiosas, musicais, sociais; e o grupo de usuários não se associa tão bem com ex-usuários ou contrários ao uso. Há forte mistura com o lado pessoal, uma sensação de estar do lado certo do mundo, numa amálgama que ocorre em quase todas as drogas e seitas.

Outra questão é a biológica. Como os sites acima explicam, há uma série de efeitos colaterais possíveis comuns, associados a vômitos, diarréias, perda de sensibilidade, sudorese, formigamento, perdas cognitivas, desrealização, delírios, alucinações, dormência, ilusão de ruidos e ecos, diminuição da capacidade lógico-matemática, diminuniação das faculdades sensoriais, dentre outros. Quando o organismo é submetido a uma substância que lhe adultera e faz mal, ele tenta a colocar para fora de todos os modos. Isso ocorrer com o daime, embora o uso continuado possa desenvolver uma tolerânc

 

 

(4) O tratamento da Síndrome de Pânico provocada pelo uso de daime é igual a qualquer outra, envolvendo principalmente recursos psicoterapêuticos psicanalíticos (origem dos traumas, a psicanálise é PARTICULARMENTE muito eficiente em síndrome do pânico), cognitivo-comportamentais (lidar com sintomas) e, frequentemente, medicamentosos (psiquiatria).

Ao contrário da bipolaridade e esquizofrenia, o daime / ayahuaska provavelmente não provoque DIRETAMENTE os ataques de pânico pelas suas substâncias, mas sim indiretamente pela exposição psíquica violenta e gratuita que pode acarretar, durante o transe, em alguns. Estima-se que de 2 a 4% da população mundial, sofra ou já tenha sofrido com crises de pânico. Muitos não as reconhecem, ou são "convencidas" de o que tem é apenas "frescura" ou "preguiça" (3 em cada 4 portadores são mulheres).

Portadores de pânico em geral possuem em sua estrutura um trauma originador na infância (às vezes esquecido); e muito frequentemente de um outro evento mais leve posterior (da pré-adolescência à juventude, GERALMENTE esquecido) que indiretamente toca em conteúdos SIMBOLIZADOS pelo primeiro trauma, re-sensibilizando a ferida inconsciente inicial, mas a jogando para o recalque (esquecimento) ainda viva, por proteção, para que o candidato a pânico prossiga com sua vida "normal", com apenas algumas ansiedades e fobias administráveis, aqui ou ali. Esses eventos podem ser simples, esquecidos ou não. Separação de pais, morte de avós ou irmãos, acidente de carro, doença marcante, namorada que foi embora reforçando algum abandono sofrido na infância, etc. Mas não geram a crise de pânico, em si.

POSTERIORMENTE, um fato traumático, situação emocional extrema ou perda pode, enfim, tocar naquela ferida dupla esquecida na juventude-adolescência, e trazê-la VIVA à tona, gerando o ataque de pânico. Tenho pacientes onde o efeito estressor se deu em medo de morrer após nascimento de filho, relembrando abandono perda de pais; ou por dirigir em mudança de cidade, devido impossibilidade de continuar projeto; ou associado a questões alimentares e de constituiçao de família, devido a hístórico de responsabilidades; ou mesmo em experiências espirituais mal conduzidas, que tocaram em trauma de experiência na infância em cemitério pouco após tentativa de abuso por parte do pai... Em todos esses casos, os fatos originais estavam esquecidos, por PROTEÇÃO da psiquê. Algum fato atual invade a proteção, e toca na ferida inflamada, antes dela ser cuidada.

O risco do daime / ayahuaska nessas estruturas é que NUNCA se sabe quais dos usuários se encontra dentre os 2 a 4% que tem estruturas internas propícias ao surgimento da síndrome do pânico, e menos ainda se não há percentual até maior de pessoas PROPENSAS ao pânico, mesmo que nunca tenham percebido nenhuma crise ou ataque de ansiedade / fobia / pânico. Não se sabe também se haverá "peia" (bad-trip), delírios persecutórios durante a sessão (em qualquer trabalho há pessoas que gritam por muito tempo, vendo coisas pouco agradáveis). Parece CERTO que, em todas sessões, muitos relatam exposição a memórias inconscientes, lembranças, fragmentos, reorganizações psíquicas, GERALMENTE EM CARÁTER POSITIVO. Entretanto, é IMPOSSÍVEL saber de antemão qual daquelas pessoas, SE expostas a determinadas memórias, não terão estrutura psíquica para lidar com elas depois; ou se isso não repercutirá em destruição de estruturas (pessoais, profissionais, afetivas, psicológicas) das quais precisava para viver social e funcionalmente bem, e MENOS ainda se, dentre uma série de questões RECALCADAS pelo inconsciente e ESQUECIDAS até tomar o chá, poderá haver uma estrutura latente de pânico (ou, mais grave, de psicose), onde após a "peia" e "êxtase" não se seguirá, INEVITAVELMENTE, uma crise de pânico, bipolaridade ou surto psicótico após poucas semanas - ou mesmo meses - depois, o qual NUNCA seria provocado sem a desnecessária híper-exposição.

 

(5) Para dar um conselho SÉRIO e PROFISSIONAL em relação a isso tudo, o mínimo que sugiro é que, se o chá lhe faz bem, ótimo. Mas devido a riscos GRAVES para com sua própria saúde, recomendo que, SE houver QUALQUER sinal de peia / bad-trip durante as sessões, que se procure O QUANTO ANTES um apoio psicanalítico ou psiquiátrico sério, para avaliar os conteúdos e o RISCO da exposição inconsciente forçada.

Precisando, minha clínica em São Paulo (Metrô Ana Rosa) está a disposição para esclarecimentos iniciais GRATUITOS, sem custo ou compromisso. Não cobro primeiras sessões, quando de encaminhamento e/ou visando estabelecer um vínculo psicoterapêutico posterior.

Lázaro Freire
Psicanalista Espiritualista
Clínica: http://www.migre.me/rbt
Marcação de Consultas: (011) 9164-9457
(2ª a 5ª das 13 às 22; Sábados das 9 às 19)



--



Voadores.com.br - Somos Todos Um Só!