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>> Colunistas > Tempos líquidos, deuses líquidos - (esclarecimentos à réplica a favor do santo daime e ayahuasca) Publicado em: 19 de novembro de 2009, 12:39:55 - Lido 4770 vez(es) --- Em voadores, Visitante escreveu via website
Olá, querido Zé Colméia. Obrigado (de coração) pelo carinho e pelos argumentos. Você ajuda a demonstrar aquilo para o qual alertamos. Atrás de todo personagem há um autor analisável. Tanto faz não saber seu nome - a maioria daqui não conheço, nunca é pessoal. Porém, o que mais dói é que VOCÊ sabe quem escreveu seu "comentário", ué... Logo, minha resposta TE atinge, sem eu precisar ser pessoal. Compreendo que certas coisas que a gente faz e escreve não dá para ser assinada... ou de cara limpa.
Não, querido, leia o texto de novo, não "difamo", e não é "a religião". Toda religião merece respeito, Santo Daime inclusive, mas uma coisa é respeitar os ritos e crenças originais dos índios e seringueiros, e outra bem diferente é sermos impedidos de discernir sobre os efeitos de um CHÁ alucinógeno milenar, anterior ao "daime" e igrejas, que por acaso é utilizado (também) nos ritos do Santo Daime.
Eu já contei aqui o quanto há de ritos interessantes e boas intenções em algumas casas de ayahuasca que frequentei. Também já falei de outras que são "esquisotéricas" e sem discernimento, mas isso não parece ser por causa do daime (embora esse possa potencializar). Nesses anos todos, conheci cadas daimistas que eu frequentaria tranquilamente, pela RELIGIÂO, pela EGRÉGORA, e ainda levaria os voadores, se as tais casas me dessem o inalienável direito de tomar apenas se e quando eu quiser, sem obrigação, sem ter que fechar pacote consciencial, sem ter que ser conivente com a distribuição de daime para bebês, e sem eu por isso TER QUE aceitar algumas crendices (nada xamânicas) que eles exigem e que não passam pelo crivo da razão. Também frequentaria eventualmente se não me exigissem pacotes conscienciais, se eu não tivesse que depois aguentar os "padrinhos" em surto confundindo as coisas e achando que, porque eu gostei da egrégora, então já sou seu "discípulo" e "afilhado", e portanto já podem mandar na voadores apenas porque fomos lá e lhes queremos bem...
Vamos separar melhor as coisas, com discernimento? Por exemplo, uma coisa é a fé do padre na comunhão. Outra coisa é aquilo que pão e vinho doce podem fazer a diabéticos e alcóolatras. Não podemos confundir. As bebidas e comidas ritualísticas são apenas PARTE de um contexto, é um grave equívoco confundir o hinduismo com o incenso, o cristianismo com a bíblia, o catolicismo com o vinho - e, mais ainda, todo o xamanismo ancestral de várias culturas (siberianas, africanas, norte-americanas, tupi, etc) com o uso urbano de UMA bebida pré-colombiana de propriedades alucinógenas.
A hoasca e demais "plantas de poder" são interessantes em um certo contexto inciático indígena original, mas foram desvirtuadas e "sacralizadas" para uso de moradores das grandes cidades. Boa parte desses "novos adeptos" buscam, através da ingestão impensada (ou da sua repressão escatológica à divulgação da informação), uma espécie de atalho consciencial para sua mediocridade neurótica urbana, ou uma "apelação" que compense sua falta de esforços e "resultados" em outros caminhos espirituais "cara limpa" que frequentaram antes do chá.
Como psicanalista e filósofo, alerto para essa pressão moderna pelo pragmatismo, onde amor bom é o instantâneo, e religião boa é a que "dá resultados". Pode ser alguma igreja evangélica neopentecostal que prometa empregos e riquezas (se você ainda não tem, lhe falta fé, mas vá pagando seu dízimo e orando, e "um dia" você conseguirá - então atribua à graça de Deus e não ao tempo e à sua perseverança, e aproveite que está recebendo e doe dinheiro para "Deus" através do pastor). Pode ser o lado "promessas" e "despachos de resultados" dos que desvirtuam parte do catolicismo e da umbanda.
Mas pode ser TAMBÉM aquele espiritualista que EXIGE que o Alto lhe dê resultados, fenômenos a qualquer preço, e que se fascina pela possibilidade de qualquer coisa que lhe tire da consciência e realidade - que não precisaria ser medíocre - o mais rápido possível. Para esses, dirigir até o subúrbio, pagar 50 reais e aguardar meia hora de espera após a ingestão está de bom tamanho, já é um bom "esforço espiritual" para encontrar Deus. Para que meditar por anos, e se esforçar eticamente no dia a dia, como pedem as outras religiões lentas?
O efeito dessa "espiritualidade líquida", passa em algumas horas, e em alguns países não é crime se o DMT alucinógeno for usado em chás e dentro de ritos (em outros 183 países o DMT dá cadeia, como qualquer alucinógeno potente). Podemos ter aí uma espiritualidade fast-food, com toda publicidade (condenada em lei no Brasil) e pirotecnia. É uma boa tentação.
Mas ainda assim, a egrégora RELIGIOSA do lugar pode ser boa, com ou sem chá. É válido um contexto xamânico original usar beberagens de vez em quando. mas também acho esquisita - se não for mal intencionada - essa necessidade doentia de não poder haver esclarecimento, de dizer que se contarmos para as pessoas o que tem na beberagem ou porque há aquele efeito após ingestão é "desrespeito". Não é risível, pois pode ser doentio. E fundamentalismo não tem graça.
Também é sintomático alguns ficarem tão alterados com a divulgação de uma listinha cheia de BOM-SENSO sobre estados onde o daime é CONTRA-INDICADO, não pelo lado religioso, mas pela lógica em relação àquilo que há na planta, sendo "liberada" ou não. Se ninguém daria açúcar para um diabético nem uma garrafa de café velho e frio para alguém com crise de úlcera, é MUITO MAIS ESTRANHO pensar em ministrar alcalóides alucinógenos-enteógenos (como o DMT) associado a fortíssimos inibidores da MAO (como os adicionados no chá para inibir o metabolismo do DMT) a pessoas portadoras de
- doenças cardíacas - síndrome do pânico (atinge 3,7% da população, fora casos não documentados) - Evidentemente, menores de 18 anos (há perda da consciência superior à do álcool que lhes é proibido) - e especialmente crianças, bebês e gestantes (cérebros em desenvolvimento). Conheço casas sérias onde há tentativa de triagem de casos assim. É um progresso. Mas note que, infelizmente, raramente o entrevistador tem estudos médicos, psicanalíticos e psiquiátricos para avaliar minimamente esses ítens. Os ayahuaskeiros deveriam nos agradecer por relacionarmos os problemas e riscos, e ainda explicando - quimica e neuronalmente - os motivos. Registro que algumas casas o fazem. Algumas das que frequentei aprenderam muito conosco, e passaram a fazer advertências aos novos. Mas as condilções de triagem são precárias, o usuário é que precisa se declarar e auto-excluir, e ninguém que viajou tanto QUERENDO tomar seguirá a recomendação. Até porque, na maioria das casas, foi acompanhado, e não pode ficar lá sem tomar.
Curiosamante, para outras casas, para os que vendem chá pela internet, parece que falar de riscos atrapalha o negócio, ou o sincretismo estranho de algum "padrinho". Alguns menos responsáveis preferem repetir o mantra falacioso que ouviram, de que daime "é medicina da floresta PORTANTO não faz mal algum, e é inteligente e é 'sagrado', e por isso a planta vai saber o que você precisa, pode tomar independente do que você faz, fez ou toma, porque daime é 'natural' e PORTANTO só faz bem, ou que o conad não proibiu PORTANTO pode tomar misturado com o que for, em qualquer quantidade, e que aí QUALQUER coisa que for dito junto ou sob efeito passa a ser sagrado e verdade universal, LOGO, tudo na planta SÒ FAZ BEM".
Por causa deste discurso, recentemento vimos um caso onde o pai havia pedido acompanhamento do filho psícótico, e os responsáveis pelo Céu disseram que o rapaz, visivelmente psicótico e alucinado, "estava com Deus" A quem serve esse sofisma de "Deus é Luz, Daime é Luz, e Luz nunca faz mal?"
A planta pode ser legal em alguns contextos, os ritos podem ser muito bonitos e bem intencionados em alguns templos, mas ainda assim, CONVENHAMOS, não é necessário muito mais que um cérebro infantil para perceber as generalizações e falácias dos dois argumentos anteriores. Desde que esse cérebro infantil não esteja dopado. (E antes que alguém ache que "dopado" é ofensa, o termo vem de dopamina, neurotransmissor que circula em excesso quando você toma um inibidor da MAO que a metabolizaria. Os esquizofrênicos também a tem comprovadamente em excesso, gerando suas visões. Ou seja, todo daimista fica DOPADO sim, tecnicamente falando, pelo menos durante o efeito do chá: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dopamina ) A substância não é o mesmo que a religião. E apresentar a quem se interessar os neurotransmissores e princípios ativos de uma planta que está na natureza, e a interação química entre dois princípios que misturam, sinceramente, não é "difamação de religião" de ninguém. A não ser que na sua religião seja OBRIGATÓRIO tomar isso sem questionar ou poder saber o que é, ou se na sua religião fossem considerar a própria planta e química como se fossem DEUS (mais que outras coisas).
Colegas seus já nos esclareceram que podemos ir nas casas só pelo rito religioso, para conhecermos e relatarmos, sem tomar chá se não quisermos. Adorei a idéia, aguardo os convites. Levarei bloco de anotações e máquina fotográfica.
O daimista continua seus argumentos:
> Você deve ter levado uma peia daquelas quando o daime mostrou o
Querido, sabe que, curiosamente, até que não? Deve ser porque faço terapia, e porque já tive outras experiências de êxtase antes, pelas vias normais, em meditações ligadas ao hinduismo, a algumas práticas ocultistas e também dentro da mística cristã. Vai ver quem trabalha a kundalini e nadis por outras vias sinta menos o impacto do arrombamento forçado, não sei.
Por outro lado, acho isso - que você tentou fazer - o lado mais cruel do daime / ayahuaska. As pessoas que por acaso passam mal são estigmatizadas, e não assistidas. A possibilidade do corpo estar colocando para fora algo que lhe fez mal (todos os bichos fazem isso) não é considerada. Necessariamente, se alguém não se sentiu bem, é porque tem algum problema espiritual, ou é medíocre - ou como você diz em seu singelo idioma, "pediu para *** e foi embora porque é ***". Não há possibilidade de alguém não gostar, ou não se sentir bem, ou ter efeitos colaterais, ou simplesmente ter outro caminho. Para um fundamentalista, só o Daime salva, e aquilo que afasta do Daime é o novo Satanás.
Como psicanalista, penso que o daime abre portas para o inconsciente. Não necessariamente para o espiritual, mas talvez também. Embora o dito espiritual também possa estar ali, embolado com outros conteúdos. Ocorre algo análogo da loucura. O fato é que o usuário entra em contato com sua sombra e self sem defesas, esteja preparado para isso ou não. A pessoa verá muito do seu interior, por isso talvez pessoas sem terapia e sem discernimento sejam mais vítimas do que você chama de "peia", e o resto do mundo das drogas chama de "bad trip". Mas também há "peias" causadas pelo exercício da mente, ou seja, discernimento nem sempre é compatível com essas "viagens". Conheço amigos que tiveram essas "peias" (bad-trips) que você fala. Perdi também uma quase namorada que entrou em crise depressiva e depois maníaca, nitidamente deflagrada pelas experiências do daime. Voltava e não conseguia trabalhar, e ainda jurava que estava "reprogramando sua existência". Numa dessas experiências, ela literalmente surtou. Também lá no IPPB, há algum tempo, uma frequentadora literalmente entrou em surto, após frequentar um local desses de fundo de quintal. Certamente ela possuia uma estrutura psicótica prévia, mas estava sob controle, e o daime arrasou com a sua vida psíquica e social. Sou psicanalista, sei que muitas pessoas surtam por fatores estressores bem menos graves do que aquilo que podem vir a ver e vivenciar sob efeito do daime. Para quem está no "transe", o efeito de horas não tem saída, e a percepção do tempo se distorce. Quatro horas de sofrimento podem ter a sensação de ser muito tempo mais. Sabemos, por neuroimagem, que certas exposições traumáticas GERAM danos cerebrais. Não é a toa que a mente tem seus mecanismos de defesa. Claro que defesas demais geram neurose. Mas, acredite, expor "qualquer um a qualquer coisa pra ver se cura", com defesas psíquicas arrombadas, está longe de ser saudável, universal... ou responsável. Atendendo a sua curiosidade, não tive o que relatam como bad-trip / "peia", nas cercas de 10 vezes que já usei. Alguns vômitos, sim, mas pelo que dizem, isso parece ser normal em qualquer religião (rs). Eu simplesmente penso que o processo é desconfortável. Como pesquisador, conheço outras substâncias que não apresentam os trancos e instabilidades do daime. O método não é agradável - e, nas casas em que conheci, não havia liberdade de escolha de dose inicial, ou da possibilidade de participação nos ritos (ou mesmo ensaios) sem ingerir a dose que o "padrinho" considerasse adequada para você. Experimentei também o "mel", daime concentrado, e ele tem menos esse desconforto na decolagem, típico de droga ruim. O problema é que ele é mais forte ainda (os eufemistas dizem "puro"), com efeitos mais comparáveis aos obtíveis por cogumelos, cáctus e LSDs, que também são concentrações mais "puras" do mesmo efeito e categoria do DMT. Conheci outros indutores de transe, entrevistei também inúmeros usuários de drogas (até bem mais fortes) que usaram daime, alguns de minha total proximidade e confiança, outros condutores de trabalhos de daime, e tenho certeza - prática e teórica - do que falo quando comparo o daime a outras drogas ilegais, que os padrinhos chamam pelo eufemismo de "outras plantas de poder". Aliás, conheci padrinhos urbanos que, de tempos em tempos, fazem rituais fechados em sítios usando as tais outras "plantas de poder proibidas pelo homem branco", demonstrando ser a mesma coisa, outras formas do mesmo Deus Planta, onde o mais importante é o ritual. Pois é, é exatamente isso - ser a mesma coisa - que estou tentando dizer. Quanto ao sensacionalismo, me desculpe. Certamente mortes não são motivos graves para vocês. Fico imaginando então O QUÊ poderia justificar algum alerta ou contra-indicação!? Já sei: NADA, né? Afinal, o que é natural e liberado não tem contra-indicação... Abração, e OBRIGADO por demonstrar e representar a capacidade argumentativa dos daimistas. Era ISSO MESMO que eu queria dizer. Láz -- |
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